Em mais de uma oportunidade, tive conhecimento de que alguns fazendeiros estavam cortando uma árvore denominada Tamboril. A propósito, um dos pecuaristas que se propôs a isso estava permitindo que estranhos fizessem a extração da árvore e a levassem embora. Logo pensei: mas justo aquele fazendeiro afamado por não dar nem um copo de água a ninguém estava dando aquela madeira tão nobre?
Algo estranho rondava no ar… Em seguida, fiquei sabendo de outros casos similares.
Rapidamente, fui alertado de que os frutos do Tamboril e de algumas outras árvores específicas eram tóxicos para bovinos, causando a morte principalmente de bezerros. Resolvi então me debruçar sobre o assunto sob a análise do Direito. Teriam tais pecuaristas praticado algum crime ambiental?
O que diz a legislação?
Vamos lá: responder essa pergunta não é tão simples quanto parece. Em tese, o corte de árvores é um ilícito sim, inclusive de ordem criminal. Nos delitos contra a fauna, existem algumas excludentes (permissão para a morte dos animais) em determinadas circunstâncias descritas no artigo 37 da Lei 9.605/98. Já nos crimes contra a flora, a lei silencia. Isso pode levar a crer sempre na existência de crime, mas não é bem assim. Como já dissemos em artigos anteriores, naquilo chamado pelo direito penal de “Norma Penal em Branco”, da qual o direito ambiental é repleto, a verificação do crime fica condicionada ao conhecimento de inúmeras normas não penais, as quais podem regular a permissão do ato, descaracterizando a existência do ilícito, seja de natureza civil ou penal.
Seja como for, os motivos que levam o produtor ao corte de árvores tóxicas encontram guarida perante a justiça. Explicamos melhor. Temos duas excludentes que podem salvar o homem do campo das pechas da ilicitude penal neste caso, podendo, até mesmo, ser estendida para a órbita administrativa e civil, já que, em algumas ocasiões, os motivos da absolvição criminal podem levar ao trancamento das portas de eventuais indenizações em âmbito civil (confira mais detalhes no artigo 65 do Código de Processo Penal). O direito penal possui duas teses defensivas que se amoldam perfeitamente ao caso:
1) Estado de necessidade;
2) Inexigibilidade de conduta diversa.
Pela primeira, não responde pelo crime aquele que sacrifica um bem jurídico (o corte da árvore), para salvar o outro bem jurídico (a vida dos animais). É como se houvesse dois pratos de uma balança, onde, em um, se colocasse a proteção ao meio ambiente, e, em outro, a vida dos animais, bem como o patrimônio de alguém. Inevitavelmente, para se salvar um deles, o outro será sacrificado. Qual deve prevalecer? Essa resposta pode até ganhar contorno de subjetividade, mas cremos que o comportamento do homem médio deve prevalecer (no caso, o corte da árvore que produz frutos tóxicos).
Inexigibilidade de conduta
Se a excludente do “Estado de Necessidade” por algum motivo for descartada, podemos passar para a segunda tese defensiva. Caso o pecuarista descubra que uma árvore produz frutos tóxicos capazes de contaminar o rebanho a ponto de levá-los à morte, qual atitude mediana ele deveria tomar? Pergunta: É de se esperar um comportamento diverso pelo homem do campo que não a extração da árvore? Nos parece que não, razão pela qual a excludente de culpabilidade fatalmente absolveria o infrator. E romantismos à parte, não se poderia esperar que o homem médio estivesse disposto a cercar os envoltos de cada árvore tóxica, tendo em vista que seus frutos se espalham e poderiam cair um pouco longe do pé ou ser deslocados pela ação da chuva.
Não podemos afirmar com total precisão que a absolvição é certa, até porque, o Direito não é uma ciência exata e varia de acordo com interpretações divergentes. Porém, de acordo com os postulados do Direito Penal, o delito deve ser afastado, ecoando seus efeitos também em âmbito administrativo e civil (art. 65 do Código de Processo Penal). Em Direito é assim: na criminalização ou não das atitudes humanas, a conduta do homem médio guiará o seu destino.